Jesus não Vota
São Paulo, 11/10/2010
Desde o início da eleição um extenso grupo de eleitores se convenceu de que era persuasivo encher o maior número possível de caixas de e-mails com boatos, distorções e mentiras. Resta disso a impressão de uma direita brasileira degradada, nada mais do que virulenta e, dessa forma, imprestável como sustentação para o Brasil. Não acredito de forma alguma que esse diagnóstico se aplique ao candidato tucano, José Serra. Da mesma forma, não escrevo este texto para defender Dilma Rousseff ― alvo dos embustes citados ― de denúncias verdadeiras que eventualmente ocorram. Meu propósito é demonstrar que o tipo de democracia que essa postura da direita extremista fomenta é por demais perniciosa.
Essa politicagem extremista usa das ferramentas demagógicas mais primitivas. A autoria falsa de textos, como forma de emprestar legitimidade a todo tipo de opinião do autor oculto, é a tática mais simplória. Há, por exemplo, um artigo de Arnaldo Jabor que, em 2006 teve de ser suprimido por ordem judicial. Amplamente divulgado, sempre fora de contexto, o texto traz trechos diferentes dependendo de onde você o encontra. Há ataques fora do estilo de Jabor ― calúnia pura e sem prova, muito além da contundência que ele continua demonstrando em seu site. Em outro caso, Marília Gabriela teve de desmentir que uma crítica à Dilma fosse sua.
E, mesmo quando o autor é de fato o autor, as informações são propositalmente difusas. Um caso é o "artigo da imprensa canadense", que, na verdade, é de um opinador individual que, em outros posts, defende também que um culto satânico controla o mundo e que o sionismo quer destruir os judeus.
Outra arma é a religiosidade terrorista. Neste vídeo, o padre Paschoal Piragine Jr. nos leva a crer que o PT defende leis a favor da pedofilia e da violência familiar. Segundo ele, o partido é também causa do aumento dos divórcios, do reconhecimento criminoso da homossexualidade e de toda uma série de iniquidades que, se não forem contidas, "Deus não vai ter outra coisa a fazer do que julgar nossa terra". Claro, o vídeo também segue a ideia perspicaz de tornar essa eleição uma disputa entre as pessoas de bem "a favor da vida" e os comunistas "contra a vida". Dilma teve que afirmar o óbvio e dizer que não é favorável à morte, Serra resolveu lembrar o quão cristão ele é. É uma espécie de flashback vergonhoso. Em 1985, Boris Casoy decidiu ser relevante e perguntar se Fernando Henrique Cardoso acreditava em Deus. O psdbista concorria então à prefeitura de São Paulo. Engasgou e Jânio Quadros usou o "ateísmo" a seu favor.
Hoje em dia, o mesmo PSDB não criticou os adesivos "Sou Cristão e Voto Serra". A questão de importância real não chega a ser colocada: isso não importa. Se o PT pretende sufocar a mídia e os partidos opositores até que nos faça uma Venezuela, o que a direita, ou o PSDB, quer é que nos tornemos qualquer coisa similar a uma república islâmica? Maomé se absteve sobre o assunto. Jesus não vota. A decisão entre os futuros governos deve partir de propostas. De comparação de competências e capacidade de projetar um desenvolvimento consequente.
Que projeto de desenvolvimento consequente tem pessoas que pretendem desqualificar todo o trabalho de Dilma por ela, supostamente, ter sido "terrorista, assassina e sequestradora"? Que visão de país? Sem a menor e mais leve intenção de checar os fatos, esse eleitor não se esforça por ser consciente de nada, ele só ataca. A revista piauí fez uma descrição robusta da participação da presidenciável petista na esquerda extremista. O livro de Fernando Gabeira, O Que é Isso, Companheiro?, narra a situação política da ditadura e o sequestro de que Dilma é acusada, o do embaixador americano. Não ocorre a ninguém ter fundamentos. Não ocorre a ninguém dar atenção ao passado. Como se espera que tenham percepção do futuro?
Possibilidade de Democracia
Não estou dizendo: "portanto, vote Dilma". É certo que, dando meu voto a José Serra, estarei dando valor a esse tipo de argumentação. Também é verdadeiro que é essa espécie de eleitor que é evocada no novo slogan psdbista, o do "homem de bem". Porém, quando me oponho a essas atitudes não miro no PSDB; quero atingir é esse empobrecimento das possibilidades de uma democracia real. Esse movimento deve ser combatido onde quer que se manifeste. Alimentar uma cultura política em que uma eleição é disputada nesses termos é algo que queremos? O que está em jogo aqui é descobrir como enriquecer as ideias sobre o Brasil, como aprimorar a discussão, para assim fundamentar nosso desenvolvimento.
Dias atrás recebi mais um daqueles e-mails. O panfletário acordou sem imaginação e partiu simplesmente para a mentira. Sustentava que a candidatura de Dilma seria cassada. O Tribunal Superior Eleitoral teria aplicado a lei ficha limpa à presidenciável. Desnecessário dizer que não há sombra de tal notícia no TSE. O que acontece aqui? Ou esse sujeito me crê tão estúpido que eu poderia ser convencido por um truque barato, ou é ele tão criminoso que percebe no eleitorado apenas uma massa de infelizes manipuláveis, assim como só vê na democracia um joguete de quintal.
Essa politicagem extremista usa das ferramentas demagógicas mais primitivas. A autoria falsa de textos, como forma de emprestar legitimidade a todo tipo de opinião do autor oculto, é a tática mais simplória. Há, por exemplo, um artigo de Arnaldo Jabor que, em 2006 teve de ser suprimido por ordem judicial. Amplamente divulgado, sempre fora de contexto, o texto traz trechos diferentes dependendo de onde você o encontra. Há ataques fora do estilo de Jabor ― calúnia pura e sem prova, muito além da contundência que ele continua demonstrando em seu site. Em outro caso, Marília Gabriela teve de desmentir que uma crítica à Dilma fosse sua.
E, mesmo quando o autor é de fato o autor, as informações são propositalmente difusas. Um caso é o "artigo da imprensa canadense", que, na verdade, é de um opinador individual que, em outros posts, defende também que um culto satânico controla o mundo e que o sionismo quer destruir os judeus.
Outra arma é a religiosidade terrorista. Neste vídeo, o padre Paschoal Piragine Jr. nos leva a crer que o PT defende leis a favor da pedofilia e da violência familiar. Segundo ele, o partido é também causa do aumento dos divórcios, do reconhecimento criminoso da homossexualidade e de toda uma série de iniquidades que, se não forem contidas, "Deus não vai ter outra coisa a fazer do que julgar nossa terra". Claro, o vídeo também segue a ideia perspicaz de tornar essa eleição uma disputa entre as pessoas de bem "a favor da vida" e os comunistas "contra a vida". Dilma teve que afirmar o óbvio e dizer que não é favorável à morte, Serra resolveu lembrar o quão cristão ele é. É uma espécie de flashback vergonhoso. Em 1985, Boris Casoy decidiu ser relevante e perguntar se Fernando Henrique Cardoso acreditava em Deus. O psdbista concorria então à prefeitura de São Paulo. Engasgou e Jânio Quadros usou o "ateísmo" a seu favor.
Hoje em dia, o mesmo PSDB não criticou os adesivos "Sou Cristão e Voto Serra". A questão de importância real não chega a ser colocada: isso não importa. Se o PT pretende sufocar a mídia e os partidos opositores até que nos faça uma Venezuela, o que a direita, ou o PSDB, quer é que nos tornemos qualquer coisa similar a uma república islâmica? Maomé se absteve sobre o assunto. Jesus não vota. A decisão entre os futuros governos deve partir de propostas. De comparação de competências e capacidade de projetar um desenvolvimento consequente.
Que projeto de desenvolvimento consequente tem pessoas que pretendem desqualificar todo o trabalho de Dilma por ela, supostamente, ter sido "terrorista, assassina e sequestradora"? Que visão de país? Sem a menor e mais leve intenção de checar os fatos, esse eleitor não se esforça por ser consciente de nada, ele só ataca. A revista piauí fez uma descrição robusta da participação da presidenciável petista na esquerda extremista. O livro de Fernando Gabeira, O Que é Isso, Companheiro?, narra a situação política da ditadura e o sequestro de que Dilma é acusada, o do embaixador americano. Não ocorre a ninguém ter fundamentos. Não ocorre a ninguém dar atenção ao passado. Como se espera que tenham percepção do futuro?
Possibilidade de Democracia
Não estou dizendo: "portanto, vote Dilma". É certo que, dando meu voto a José Serra, estarei dando valor a esse tipo de argumentação. Também é verdadeiro que é essa espécie de eleitor que é evocada no novo slogan psdbista, o do "homem de bem". Porém, quando me oponho a essas atitudes não miro no PSDB; quero atingir é esse empobrecimento das possibilidades de uma democracia real. Esse movimento deve ser combatido onde quer que se manifeste. Alimentar uma cultura política em que uma eleição é disputada nesses termos é algo que queremos? O que está em jogo aqui é descobrir como enriquecer as ideias sobre o Brasil, como aprimorar a discussão, para assim fundamentar nosso desenvolvimento.
Dias atrás recebi mais um daqueles e-mails. O panfletário acordou sem imaginação e partiu simplesmente para a mentira. Sustentava que a candidatura de Dilma seria cassada. O Tribunal Superior Eleitoral teria aplicado a lei ficha limpa à presidenciável. Desnecessário dizer que não há sombra de tal notícia no TSE. O que acontece aqui? Ou esse sujeito me crê tão estúpido que eu poderia ser convencido por um truque barato, ou é ele tão criminoso que percebe no eleitorado apenas uma massa de infelizes manipuláveis, assim como só vê na democracia um joguete de quintal.
Nota do Editor
Duanne Ribeiro é editor da revista Capitu.
Fonte: http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=3174&titulo=Jesus_nao_vota