segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Jesus não Vota

Jesus não Vota




São Paulo, 11/10/2010
Desde o início da eleição um extenso grupo de eleitores se convenceu de que era persuasivo encher o maior número possível de caixas de e-mails com boatos, distorções e mentiras. Resta disso a impressão de uma direita brasileira degradada, nada mais do que virulenta e, dessa forma, imprestável como sustentação para o Brasil. Não acredito de forma alguma que esse diagnóstico se aplique ao candidato tucano, José Serra. Da mesma forma, não escrevo este texto para defender Dilma Rousseff ― alvo dos embustes citados ― de denúncias verdadeiras que eventualmente ocorram. Meu propósito é demonstrar que o tipo de democracia que essa postura da direita extremista fomenta é por demais perniciosa.

Essa politicagem extremista usa das ferramentas demagógicas mais primitivas. A autoria falsa de textos, como forma de emprestar legitimidade a todo tipo de opinião do autor oculto, é a tática mais simplória. Há, por exemplo, um artigo de Arnaldo Jabor que, em 2006 teve de ser suprimido por ordem judicial. Amplamente divulgado, sempre fora de contexto, o texto traz trechos diferentes dependendo de onde você o encontra. Há ataques fora do estilo de Jabor ― calúnia pura e sem prova, muito além da contundência que ele continua demonstrando em seu site. Em outro caso, Marília Gabriela teve de desmentir que uma crítica à Dilma fosse sua.

E, mesmo quando o autor é de fato o autor, as informações são propositalmente difusas. Um caso é o "artigo da imprensa canadense", que, na verdade, é de um opinador individual que, em outros posts, defende também que um culto satânico controla o mundo e que o sionismo quer destruir os judeus.

Outra arma é a religiosidade terrorista. Neste vídeo, o padre Paschoal Piragine Jr. nos leva a crer que o PT defende leis a favor da pedofilia e da violência familiar. Segundo ele, o partido é também causa do aumento dos divórcios, do reconhecimento criminoso da homossexualidade e de toda uma série de iniquidades que, se não forem contidas, "Deus não vai ter outra coisa a fazer do que julgar nossa terra". Claro, o vídeo também segue a ideia perspicaz de tornar essa eleição uma disputa entre as pessoas de bem "a favor da vida" e os comunistas "contra a vida". Dilma teve que afirmar o óbvio e dizer que não é favorável à morte, Serra resolveu lembrar o quão cristão ele é. É uma espécie de flashback vergonhoso. Em 1985, Boris Casoy decidiu ser relevante e perguntar se Fernando Henrique Cardoso acreditava em Deus. O psdbista concorria então à prefeitura de São Paulo. Engasgou e Jânio Quadros usou o "ateísmo" a seu favor.

Hoje em dia, o mesmo PSDB não criticou os adesivos "Sou Cristão e Voto Serra". A questão de importância real não chega a ser colocada: isso não importa. Se o PT pretende sufocar a mídia e os partidos opositores até que nos faça uma Venezuela, o que a direita, ou o PSDB, quer é que nos tornemos qualquer coisa similar a uma república islâmica? Maomé se absteve sobre o assunto. Jesus não vota. A decisão entre os futuros governos deve partir de propostas. De comparação de competências e capacidade de projetar um desenvolvimento consequente.

Que projeto de desenvolvimento consequente tem pessoas que pretendem desqualificar todo o trabalho de Dilma por ela, supostamente, ter sido "terrorista, assassina e sequestradora"? Que visão de país? Sem a menor e mais leve intenção de checar os fatos, esse eleitor não se esforça por ser consciente de nada, ele só ataca. A revista piauí fez uma descrição robusta da participação da presidenciável petista na esquerda extremista. O livro de Fernando Gabeira, O Que é Isso, Companheiro?, narra a situação política da ditadura e o sequestro de que Dilma é acusada, o do embaixador americano. Não ocorre a ninguém ter fundamentos. Não ocorre a ninguém dar atenção ao passado. Como se espera que tenham percepção do futuro?

Possibilidade de Democracia
Não estou dizendo: "portanto, vote Dilma". É certo que, dando meu voto a José Serra, estarei dando valor a esse tipo de argumentação. Também é verdadeiro que é essa espécie de eleitor que é evocada no novo slogan psdbista, o do "homem de bem". Porém, quando me oponho a essas atitudes não miro no PSDB; quero atingir é esse empobrecimento das possibilidades de uma democracia real. Esse movimento deve ser combatido onde quer que se manifeste. Alimentar uma cultura política em que uma eleição é disputada nesses termos é algo que queremos? O que está em jogo aqui é descobrir como enriquecer as ideias sobre o Brasil, como aprimorar a discussão, para assim fundamentar nosso desenvolvimento.

Dias atrás recebi mais um daqueles e-mails. O panfletário acordou sem imaginação e partiu simplesmente para a mentira. Sustentava que a candidatura de Dilma seria cassada. O Tribunal Superior Eleitoral teria aplicado a lei ficha limpa à presidenciável. Desnecessário dizer que não há sombra de tal notícia no TSE. O que acontece aqui? Ou esse sujeito me crê tão estúpido que eu poderia ser convencido por um truque barato, ou é ele tão criminoso que percebe no eleitorado apenas uma massa de infelizes manipuláveis, assim como só vê na democracia um joguete de quintal.

Nota do Editor
Duanne Ribeiro é editor da revista Capitu.

Fonte: http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=3174&titulo=Jesus_nao_vota

Sobre a Censura aos Humoristas nas Eleições



Especialista diz que restrição da lei eleitoral fere o direito de liberdade de expressão
O professor de Direito Constitucional Gustavo Binenbojm, da Uerj, diz que a lei eleitoral “incorre numa inconstitucionalidade”, ao restringir programas humorísticos, por ferir a liberdade de expressão. Para ele, o eleitor é capaz de entender o que é só uma piada.
Especialista critica lei eleitoral e tutela do Estado, lembrando que Constituição garante liberdade de expressão

ENTREVISTA (O Globo):
Mau humor

De acordo com especialista, humor na política deve ser preservado

Publicada em 26/07/2010 às 23h10m
Fábio Brisolla

RIO – As restrições impostas aos programas de humor pela lei eleitoral são inconstitucionais. É a opinião de Gustavo Binenbojm, professor de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que considera essas limitações uma forma de silenciar e censurar humoristas. A lei eleitoral proíbe que programas de rádio e TV “degradem ou ridicularizem” candidatos, provocando mudanças em programas como “Casseta & Planeta”, “CQC” e “Pânico na TV”. Em entrevista ao GLOBO, Binenbojm lamenta que sátiras políticas estejam perdendo espaço por causa da legislação. E considera um equívoco interromper um eficiente canal de comunicação entre políticos e eleitores. “O humor é um instrumento para atrair o interesse da opinião pública para um assunto”, frisa. O professor ressalta que o eleitor tem senso crítico suficiente para saber o que é apenas uma piada. “Se não acreditamos que o cidadão tem capacidade de fazer seu próprio julgamento, estamos caminhando para um regime fascista”.

Qual é a avaliação do senhor sobre as restrições aos programas humorísticos de TV previstas na lei eleitoral?
GUSTAVO BINENBOJM: Existe uma preocupação da lei brasileira de assegurar a lisura do processo eleitoral. Procura impedir manipulações nos meios de comunicação, como o uso de informações falsas que possam favorecer ou prejudicar determinado candidato. Seria uma regulação até desejável, mas as restrições vão muito além. Visam a garantir uma neutralidade dos veículos de comunicação de massa incompatível com a liberdade de expressão. Tal como foi redigida, a lei eleitoral provoca um efeito silenciador sobre manifestações artísticas como sátiras, charges e programas humorísticos. Impede o público de conhecer fatos através do humor. Antes de ser um direito, informar e criticar livremente é um dever dos veículos de comunicação. E, além disso, todo cidadão tem o direito de acesso à informação.

O que poderia ser feito para reverter as limitações enfrentadas pelos humoristas durante a campanha eleitoral?
BINENBOJM: O Congresso Nacional poderia editar uma nova norma ou corrigir a redação atual para permitir a existência de sátiras sobre candidatos em programas de humor durante as eleições. Num ambiente de liberdade de expressão, isso faz parte do debate público. Muitas vezes, o humor é a forma que melhor desperta a atenção dos cidadãos para assuntos de interesse público. Outro caminho seria recorrer ao TSE para que haja uma segurança jurídica na aplicação dessa norma pelos veículos de comunicação. O entendimento do TSE sobre o que a lei determina poderia garantir a liberdade necessária aos programas de humor.

Os defensores da atual legislação afirmam que as restrições são necessárias para garantir a lisura do processo eleitoral…
BINENBOJM: Ao que parece, o objetivo da lei eleitoral no caso seria impedir que um candidato cometesse excessos na propaganda eleitoral obrigatória usando a TV ou o rádio para difamar um adversário. Mas esse artigo da lei eleitoral acabou atingindo os programas humorísticos em geral. O humor é um instrumento para atrair o interesse da opinião pública para um assunto. Uma sátira se utiliza de características da personalidade de um político para despertar o interesse do telespectador.

O senhor discorda do argumento que relaciona a sátira política a uma forma de ofensa ou difamação?
BINENBOJM: Além de informar, os meios de comunicação têm o dever de criticar os fatos. E isso pode ser feito sob a forma de sátira, de charge ou qualquer outro formato de humor. A lei eleitoral brasileira incorre numa inconstitucionalidade, porque a norma atual é incompatível com o regime constitucional que assegura a liberdade de expressão.

Nos Estados Unidos, os políticos são alvos constantes de programas humorísticos, como o “Saturday Night Live”, da Rede NBC, mesmo durante a campanha eleitoral…
BINENBOJM: O modelo da lei eleitoral dos Estados Unidos é o mais liberal do mundo. Confere aos veículos de comunicação total liberdade, inclusive para manifestar apoio a um determinado candidato. Na Europa, existem algumas formas de regulação que procuram resguardar a imagem dos candidatos. Mas a lei brasileira é ainda mais restritiva. Produz um efeito silenciador sobre os veículos de comunicação. Prevalece uma visão preconceituosa: a ideia de que a lei e o Estado devem proteger o cidadão de si próprio. É uma cultura oficialista. Avalia que o Estado tem maior capacidade do que o cidadão para formular juízo crítico sobre fatos de interesse público. Isso é uma forma de censura.

O programa “Casseta & Planeta”, da Rede Globo, eliminou imitações aos presidenciáveis do roteiro durante a campanha. O “CQC”, da Band, amenizou o tom na abordagem aos políticos.O humor está sendo levado muito a sério pela atual legislação?
BINENBOJM: O papel do humor na política é tão importante que deve ser levado a sério e, justamente por isso, preservado de restrições impostas pela lei. O político precisa aprender a usar o humor a seu favor. O deputado que consegue rebater de maneira informada, contundente, a uma pergunta de um repórter do “CQC”, está prestando um serviço à população e também a si próprio. Está usando um veículo de comunicação para sua promoção pessoal. Toda vez que suprimo o direito de manifestação, provoco um efeito colateral que é a propagação da ignorância, do desinteresse. O sujeito tem de ser capaz de fazer do limão uma limonada, de fazer da charge um instrumento de promoção de suas próprias ideias. De compreender que as pessoas têm o direito de discordar, que isso é parte do debate político. A sátira não é uma distorção. É um elemento de vitalidade das democracias maduras.

O eleitor brasileiro está preparado para diferenciar o que é apenas uma piada?
BINENBOJM: Se não acreditamos que o cidadão tem capacidade para fazer seu próprio julgamento, estamos caminhando para um regime fascista. O Estado vai informar o que ele pode saber. A opção no Brasil foi pela democracia. E a democracia comporta riscos e, muitas vezes, escolhas equivocadas… A atual lei eleitoral é própria de sociedades que passaram por períodos de ditadura militar e ainda não atingiram a maturidade da liberdade de expressão. O que é essa maturidade? Defender a liberdade de expressão ainda que, circunstancialmente, ela possa se voltar contra você.

Fonte: http://www.produtorvalber.blogspot.com/